A Arte Subtil de Dizer Coisas Úteis


O mito da auto-ajuda trepa mais rapidamente à cabeça que um impulso nervoso se propaga através dos neurónios. É impressionante. Dos dez livros mais vendidos em Portugal, em média, oito são de "auto-ajuda" e dois desses livros são do mesmo urso (com todo o respeito pelos ursos), com títulos bastante variados entre si, como "está tudo fodido" ou "a arte subtil de saber dizer que se foda".

Ao que parece, a moda pegou no que à deficiência diz respeito, e não é de agora. As pessoas usam o Youtube de maneira que fazem com que os protagonistas de "Jackass" possam parecer debutantes da vertente ultraconservadora dos quatro colégios da cooperativa Fomento. E depois há pessoas com deficiência que me fazem ter vontade de fugir com a Alice para o País das Maravilhas quando se apresentam perante a webcam com aquele discurso "nhó-nhó-nhó" do tipo "todos diferentes, todos iguais".

Vamos lá: a conversa do "nada sobre nós sem nós" ainda pode ter algum interesse para a plateia geral, na medida em que há pessoas que ainda acham que as reuniões da IURD vão mudar a minha vida. Quanto a essas, vamos por aí, por essa conversa a la "anos 60" e pode ser que a coisa pegue. É um princípio. É assim um bocado como a Democracia - como diz que não há nada melhor, come-se.

Para as outras - não sei se são uma maioria ou uma minoria porque não as contei - vamos lá mudar o disco. Who the fuck cares about your first date? Ninguém. Who the fuck cares about you being bullied at nursery? ninguém. A não ser aquelas pessoas que gostariam que entrasses em pormenor quando te vieste pela primeira vez ou quando tiveste o período e manchaste as calças. Nem a tia Ermelinda quer saber disso.

Para quando percebermos que não é pela instigação do chorinho feliz de trazer por casa que vamos lá, ao cerne da questão? Para quando haver noção de que ter centenas de views e likes e merdas do género que pensas que fazem de ti humano é como quando, nos anos 60, se pensava que a tropa fazia de ti um homem? Vamos lá reorientar o GPS, mesmo que dê jeito ires sempre pelo mesmo caminho e os teus seguidores o repisarem para que o rebanho não se perca do pastor?

Quando a malta que chora em frente à webcam ou caga texto fala por mim, fala mesmo que eu não queira, porque fala mais alto. É de gritos. A questão é esta, é que isto não é um concurso nem de gritos nem de egos. É uma causa que merece não ser tratada nem como um escrito asséptico da Cosmopolitan nem como uma fábula de La Fontaine, com uma espécie de moralzinha bafienta para levar à lágrima.

(imagem: ©Ikon_Grafix/Shutterstock)

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