A Verdade à Espera de Melhores Dias

Por aqui, os estudos científicos, os ensaios e tudo o que implique uma tomada de posição baseada em dados científicos parece ter irremediavelmente caído em desuso. Com tanta gente a achar coisas sobre todas as coisas, as opiniões parecem flutuar numa espécie de limbo, entre aquilo que toda a gente pensa e aquilo que alguns provam ser verdade. Na verdade, a própria verdade parece ter caído em desuso; é mais importante dizer qualquer coisa sobre alguma coisa que reproduzir, tanto quanto possível, literalmente o que é.

Aqui, os estudos científicos - ou mais ou menos científicos, dependendo ou não das fontes - são como as autoestradas. Podem esperar pela tesoura, pelo corte da fita. A Ciência deixou de ser urgente para ser transitória, deixou de ser verdade para ser conveniente. Não seria útil encontrar uma vacina para o cancro, se a indústria farmacêutica do cancro vive do cancro e da morte. Depois, há pessoas, famílias, microsociedades cuja única fonte de rendimento é o emprego, e que trabalham numa farmácia, numa fábrica farmacêutica, que são médicos, que são enfermeiros, que trabalham numa unidade de cuidados paliativos ou que, levadas as coisas ao limite do abusrdo, trabalham nas funerárias.

O que tem isto a ver com a deficiência? Tudo, Nada. Chegaremos a um ponto em que a deficiência poderá esperar pela publicação de um estudo científico, de uma lei, de um documento que permita à deficiência pereeber-se a ela própria, não por sentimentos mas por números, por evidências, por critérios de rigor e não por mensagens de força, heroísmo, piedade. Já estamos, aliás, nesse ponto, no ponto em que sabemos que há coisas que são verdade, mas que só interessam conhecer do ponto de vista da verdade (já é um ponto de vista, afinal), mas que só serão verdadeiras ao tempo que se quiser.

(imagem: ©Davide Bonazzi, 'The Post-Truth Era')

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Whataboutism(s)

Catarina

Era uma vez (e foi só uma vez)