Do alto das nossas vidas


O silêncio em torno dos problemas que afectam a vida das pessoas com deficiência em Portugal atingiu mínimos paralímpicos.
Com um orgão governamental criado há cinco anos e destinado a promover a inclusão destas pessoas, a população com deficiência - tradicionalmente sem voz, com níveis de escolaridade tremendamente mais baixos que os da população em geral e com uma cultura de reivindicação a anos-luz do que seria suposto ter - está cada vez mais abandonada à sua sorte, com o seu destino semeado entre muros: de um lado, a família, pessoas que não são eternas, que morrem com um nó na garganta por saberem que o destino dos seus está entregue a uma qualquer instituição; de outro lado, as associações, que têm como única preocupação manterem a porta aberta mesmo que não sirvam para nada, mesmo que sirvam apenas para se servirem.

Não há uma fórmula mágica para resolvermos isto, mas podem existir soluções, que passarão por derrubar esses muros, mesmo que esse derrube implique fazer rolar algumas cabeças e um certo status quo criado por uma espécie de cartel, um consórcio de comerciantes (no pior sentido que a palavra possa ter) que teima em continuar colado às cadeiras do poder, entranhado nos gabinetes, bem conhecido por muitos mas temido por quase todos. Quase.

Criticar é importante. Dar voz. Participar, mesmo que seja de uma forma caústica, provocante, sentida, quase íntima. Mas há coisas urgentes. Sair à rua é urgente. Dizer coisas às pessoas sem deficiÊncia é urgente. Criarmos aliados. Sermos solidários é urgente. Não perdermos a visão de conjunto é urgente, mesmo que diferenças de opinião fundas nos separem. 

Não podemos - não é correcto, não é justo, não é humano sequer - compactuarmos com este estado de coisas. Há, neste momento, centenas, senão milhares de pessoas com deficiência institucionalizadas, forçadas a permanecer em instituições onde não lhes é permitido sequer sair à rua. Onde não podem ter acesso à internet, onde, por vezes, nem acesso aos canais de televisão de informação generalista conseguem chegar. Há pessoas com deficiência que não podem ir à rua beber um café e que estão aptas a desempenhar funções de direcção, de gestão, de chefia. 

E onde estamos nós? Aqui. A assistir a tudo, do alto das nossas vidas.

(imagem: ©Sara Zaher, 2020)

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